quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Diário de Bordo



 

         Bem, sou o capitão do navio Santa Emília e parece que iniciaremos mais uma grande aventura. Um homem chamado Vasco Fernandes me procurou aqui em Porto, uma pequena cidade de Portugal para contratar meus serviços por um bom preço, confesso que irrecusável. Ele ganhou umas terras em uma ilha bem distante daqui de Portugal chamada Ilha de Vera Cruz e necessita de mão de obra barata para iniciar sua vida naquele local, sabendo-se que não existe nada lá.
         E qual será minha tarefa? Bem, minha tarefa será contratar alguns marinheiros e mercenários para uma viagem ao sudeste da África com o intuito de capturar alguns negros para encaminhar à Ilha de Vera Cruz para o trabalho escravo que será necessário para a construção de casas e trabalho em lavouras naquela região.
         Arrendei um navio de propriedade do Sr. Valentino e agora preciso da tripulação.
         É difícil se contratar bons homens por aqui, como disse, eles não são confiáveis, são mercenários e difíceis de serem controlados. Mas é necessário correr contra o tempo e contar com um pouco de sorte.
         Depois de contratada a tripulação, suprimos o navio com mantimentos necessários a longa viagem e partimos rumo ao desconhecido, e certos de termos grandes e inesquecíveis aventuras naquele período em alto mar.
         No início tudo ocorreu tranquilamente sob o meu comando, alguns homens passaram mal em alto mar, mas nada que o tempo não pudesse resolver.

         Primeira tempestade em alto mar, uma experiência inesquecível. Parecia que iríamos morrer todos ali, tragados por tanta água... O terror tomou conta do navio, muitos homens se apavoravam, alguns gritaram incessantemente, como loucos, outros se ajoelhavam e clamavam ao seu Deus, Todo Poderoso por um milagre. Milagre este que ocorreu após algumas horas de terror. Creio que Deus estava com seus olhos voltados para nós, e nos protegeu dentro daquele navio para que não fossemos tragados pelo mar.
         Depois daquela noite terrível passamos por um longo tempo de calmaria, até que em um belo dia alguns homens depois de beberem um pouco além da conta começaram a brigar em alto mar, esta bebida desgraçada chamada Rum ainda vai acabar com este povo. Um homem caiu ao mar devido à briga na proa e foi um rebuliço na tripulação, mas continuamos na mesma força e nosso Deus Todo Poderoso, que continuava nos observando naquela viagem novamente nos livrou do pior, o homem conseguiu ser regatado são e salvo, creio que a partir daquela data aquele homem não mais iria beber.
         Depois de alguns meses, chegamos enfim ao sudeste da África, numa localidade chamada Nairóbi, no Quênia para capturar os negros para servirem de escravos. Apesar de haver um mercado livre onde se vendem estes negros precisaríamos capturá-los para que houvesse um lucro maior nesta viagem.
         Ancoramos o navio perto a praia e descemos nos barcos. A captura foi difícil, houve muita luta, estávamos armados, o que facilitou nosso trabalho, alguns homens morreram e seus corpos ficaram ali mesmo naquela localidade, não tínhamos como levá-los e nem como dar um enterro descente a eles, pois ficamos com medo de mais um confronto com aquele povo, eles eram bons guerreiros e lutavam com determinação para se defender.  Mas perante todos estes problemas que enfrentamos nesta primeira aventura conseguimos cerca de cem negros, sem contar com as mulheres e crianças que também vieram juntos, muitos gritavam e choravam, falavam uma língua desconhecida para mim.
         Creio que o pagamento por estes negros será compensador, o Sr. Vasco Fernandes pagaria por cabeça, e confesso que o preço é bom, conseguirei organizar minha vida com esta viagem, quem sabe ter algum dia uma bela casa para minha família e um título de nobre, isto custa caro em nosso país. 
          Alguns marinheiros iniciaram uma pequena algazarra para se aproveitaram das mulheres negras, mas conseguimos detê-los com muito custo e ameaças de prisão.
         O choro daqueles negros durou semanas, as crianças e algumas mulheres começaram a passar muito mal, infelizmente algumas não resistiram e morreram. Seus corpos foram jogados ao mar, o qual causou um grande desespero e revolta naquele povo.
         Ontem ouvi uns marinheiros mais experientes conversando sobre os negros, eles diziam que lá existe uma hierarquia igual a nossa: reis, príncipes e servos, foram difíceis de acreditar, reis? Difícil um povo que se deixa capturar desta forma ter rei.
         Mas fiquei a pensar sobre eles, eu os olhava da minha cabine, eles conversavam entre si, alguns até estavam sorrindo, o que será que eles pensam? Será que são como nós, os brancos?
Pergunta difícil de ser respondida... Espero que algum dia eu possa ter uma resposta plausível para ela.
         Foi encaminhado a minha cabine uma negra para fazer a limpeza, ela me olhava com muito medo, o terror saltava em seus olhos, para ela eu era um monstro, e ela para mim parecia um animal inofensivo, que queria fugir de seu dono.
         Por fim chegamos ao nosso destino: Ilha de Vera Cruz, uma terra muito grande, praias lindas, nunca antes observadas por ninguém, parecia que a paz reinava naquele local, existia muita vegetação, florestas enormes, deve haver muitos animais selvagens por ali, de longe parecia interessante estar naquele local, parecia ser promissor morar ali.
          Alguns portugueses não muito afortunados, mas que contavam com a graça do rei, ganharam a terra para morar e cultivar, não tinham nada a perder e queriam fazer fortuna naquele local. Na realidade Portugal só estava querendo proteger seu novo território para que ele não fosse invadido pelos ingleses, espanhóis, entre outros. Quer proteção melhor que esta? Ele dividiu a terra em capitanias e as “doou”, o Vasco Fernandes ficou com uma capitania em um território chamado Espírito Santo. E é aqui que estamos...
         Ancoramos o navio ali e descemos nos barcos para a praia, para minha surpresa fomos recebidos por um novo povo, eles eram morenos, de cabelos negros e acreditem, andavam nus. Aquilo deixou a tripulação confusa, que povo mais estranho é esse que anda sem roupas. Por fim chegaram o Sr. Vasco Fernandes e seus homens para nos recepcionar.
         Eles contaram sobre aquela pequena ilha e o povo que ali vivia. Eles até tentaram utilizá-los no trabalho, o que parece que não deu muito certo, pois eles adoravam dormir em redes, não gostando muito de trabalhar.
         Aprenderam a cultivar vários alimentos com eles, alimentos estes que não conheciam, mas que começaram a apreciar.
Negociações feitas, pagamento acertado e resolvemos permanecer por ali até o navio ser suprido com alimentos para a viagem de volta a Portugal.
          O povo era bem hospitaleiro, gostavam de dançar, pintar seus corpos, fumavam todos juntos e também utilizavam bebidas em suas festas, dormiam em um tipo de cabana feita de folhas de palmeiras e todos juntos.
         Foi interessante permanecer por ali, aprendemos muita coisa diferente. Às vezes me pergunto se realmente esta ilha foi descoberta ou invadida, pois se aqui já existia um povo que dominava e cultivava a terra de forma bem intima e cautelosa.
Chegamos ao fim, depois do navio abastecido e a tripulação já descansada e bem alimentada retornaremos. A viagem de volta foi mais tranqüila, sem grandes tumultos e tempestades avassaladoras para nos amedrontar, creio que o Deus Todo Poderoso cuidou de nós neste percurso que fizemos. Fui recebido pela minha família, agora estou mais tranqüilo, pois tenho um porto seguro em meu lar onde poderei descansar sem me preocupar com o que o mar me reserva. Compramos uma casa maior, de frente ao mar em Porto, onde morávamos, uma pequena cidade de Portugal.
         Foram tantas as aventuras que passamos ali naquele grande e extenso mar que nunca mais irei esquecer, aprendi muito com os negros e também com os índios, creio que eles são uns desafortunados, como eu fui um dia...
         São inteligentes, pensam, sentem, mas não são aceitos como pessoas. Mas os camponeses, que são chamados de “plebeus” também não são bem aceitos.
          Na realidade os nobres consideram todos diferentes deles, só eles reinam e comandam este imenso universo, espero que isto um dia acabe e que todos possam viver com direitos iguais, onde reina a justiça e o amor.
         Eu, Sr. Ryan Valentim Oliveira, casado com Nany, antes apenas capitão do navio Santa Emília, agora proprietário, deixo aqui registrado a minha primeira grande aventura em alto mar.


Alcibere Valentim de Olivei

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